10 meses e onze dias depois...
Sim. all we need is just a little patience
a última newsletter foi escrita e enviada há dez meses e onze dias atrás, quando eu falava sobre meu aniversário de 38 anos. foi um dia determinante por alguma razão que não sei qual é como tudo o que vivemos nessa vida. fui à análise e fiz a sessão como de costume. Ainda continuo, por sinal. Não falei pra terapeuta que meu aniversário era naquele dia e voltei para casa em silêncio. Não respondi às mensagens de parabéns e fiquei, se não me engano, deitada no futton da sala e assistindo meus filmes favoritos, entre eles, O Exorcista. Entre as lembranças daquele dia, destaque para uma pessoa brigando comigo porque não respondi aos parabéns dela imediatamente. Na época e ainda hoje essa fala me parece coisa de uma GRANDE SEM NOÇÃO EGOÍSTA DE MERDA. Dias depois, ela repetiu publicamente que o mínimo que eu deveria fazer é ficar disponível e agradecer quem se lembra de mim. Achei uma loucura e ainda acho. Deve ser por isso que não falo mais com ela.
Nesse período, muitas coisas aconteceram. Tinha planos e todos foram ridiculamente jogados por terra. Passei por quatro meses de extrema instabilidade financeira e ainda estou me recuperando. Muito difícil é um eufemismo para um longo e fudido inverno da alma. Tão difícil que quase não tenho memórias. Sério. Uma coisa é você chegar em casa e não ter dinheiro pra você e outra, completamente diferente, é não ter dinheiro pra sua filha. Ainda é uma pedreira por aqui. Um dia depois do outro, certo? Mas entrar no mercado e saber que posso comprar o suco que ela gosta é uma sensação de vitória muito grande. O mundo adulto tem jeitos bem cruéis de te dizer que você está falhando miseravelmente. Mas ele nos presenteia com o esquecimento.
Em outubro de 2016, quando decidi que mudaria tudo em 2017, comprei um planner de blogayra. Rico o rapaz. Há meses não escrevo nada nele. A gente sabe que a análise tem um efeito transformador mas raramente falamos sobre como transformar dói. Presto serviços numa indústria de transformação. Cada vez que entro na área industrial e vejo a matéria-prima ser amassada, quebrada, misturada, mexida ou esticada, o pensamento é sempre o mesmo. "Não é diferente com gente".
Nesses 10 meses, fiz coisas legais também. Por exemplo, disse a palavra GORDA em voz alta. Cheguei um dia, sentei na cadeira, olhei a Lígia nos olhos e disse: eu sou gorda. Pode parecer simples, mas não é. Não sou cheinha, não tenho o quadril largo, não sou curvy, não tenho o rosto fino, não tenho cintura. Eu sou gorda. Gorda de verdade. Durante muito tempo, eu achei que ser mulher tinha definido a minha existência. Não. O que definiu a minha existência foi ser gorda e lidar com isso na análise fez com que eu tivesse de lidar com os monstros que moram debaixo da minha cama.
Ser gorda definiu a forma como existo e como me porto em qualquer situação. Determinou as palavras que falo e aquelas que evito, a forma como não amo e não me permito ser amada, a forma como aceito que as pessoas me digam qualquer coisa e imponham sobre mim suas opiniões e realidades mesmo que elas me feriam de um jeito absurdo. Ser gorda fez com que eu incorporasse o discurso de opressão como uma verdade e, a partir dele, definisse minha vida. É engraçado que muito antes da terapia, eu pensava sobre isso de um jeito já sofisticado. Eu sabia e dizia sempre que não emagrecia porque não sabia se isso era uma coisa que eu queria por mim ou por imposição dos outros.
O corpo gordo é uma afronta.
O corpo gordo e feminino é uma declaração de guerra.
Desde então, as coisas permanecem as mesmas. Mas eu mudei.
Mudei e mal consigo conter a minha raiva. E falo depois sobre todo esse lance de ser gorda.
Talvez seja essa a grande coisa que tenha acontecido nesse período de silêncio. Pela primeira vez, entrei em contato com minha raiva de maneira genuína e sem achar que seja um erro. Good vibes, pense positivo, cuide da sua energia ou veja o lado bom são coisas relevantes mas não deixam de ser uma fuga. É como se nós tentássemos reproduzir o comportamento do bebê. Fechar os olhos não significa que as merdas deixaram de existir. Crescimento emocional envolve lidar com todas essas coisas ruins. Tanto a realidade quanto o good vibes nos levam para o caminho do iluminado. No do Stephen King, mesmo.
Fugir da realidade exige muita energia, dinheiro, tempo, paciência. Esse manto good vibes pesa demais, redum. "As lágrimas que curam são as mesmas que escaldam e castigam". É o melhor resumo sobre tudo afinal. É por isso que eu faço o que eu faço. Ir na terapia, ora escrever, ora silenciar é a minha forma de lidar com isso. Seja lá o que eu tente dizer com isso. Mas eu sinto raiva. Muita mesmo.
Por fim,
Já perceberam como a palavra "equilíbrio" é nociva e cruel especialmente para as mulheres?
onde estou?
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até mais! :)
quem quiser conversar sobre isso, é só responder ao e-mail.
(eu falei com a minha terapeuta sobre não saber o que responder e ela disse que aprender a receber afeto é uma das razões pelas quais estou lá. eu recebi. e é ótimo saber que você existe). Por fim, continua a metodologia de escrever e não revisar. existe falha no ato falho?
sigo pensando numa periodicidade que possa ser cumprida e que tenha consistência. esse texto foi escrito na manhã de17 de outubro de 2017, enquanto assistia Supergil, com minha filha. Disponível na Netflix.