Agoraphobia e eu não estava preparada pra isso
Oi gente, esse é literalmente um texto escrevi e mandei.
Não tem figura e nem encerramento porque eu só precisava escrever e publicar.
Saí da primeira reunião de trabalho (on line) do ano tem alguns minutos e ainda estou chorando. Ontem foi um dia lindo em que assistimos o início da vacinação no Brasil. É que, pela primeira vez, disse em voz alta que minha filha adolescente está indo morar com o pai. É algo bom pra ela, pra mim e pra ele. Racionalmente não tenho a menor dúvida disso. Mas, emocionalmente, tem uma culpa que apita cada vez que me percebo não sentindo essa culpa. Tem uma dorzinha que não sei o nome a cada passo concreto rumo a isso, tipo pedir os documentos escolares para transferência. É difícil ser adulta.
Muito.
Ser adulto é entender que a palavra responsabilidade tem peso, um peso diferente quando falamos de filhos. Ou de nós. Nos últimos sete anos, esse peso foi crescendo. Mestrado conturbado, divórcio, a guarda total de uma criança, váriassssss mudanças de casa, reencontrar meu lugar no mercado de trabalho de acordo com essa nova realidade, mais mudanças de casa, várias tentativas de emprego, não ter grana para nada além do básico e torcer que esse básico não se reduzisse mais, morte da mãe, luto e a pandemia. Teve coisa legal no meio disso tudo? Claro que teve. Muita gente nova e coisas legais, mas isso tornou mais pesada a forma como eu espero a dor.
Vai sair esse filme A mulher na janela, acho que com a Amy Adams, em que a personagem tem agoraphobia. (acho bonito o ph) e coloca em perspectiva esse medo que algumas pessoas sentem por estarem vivas. Estar viva é difícil principalmente quando as pessoas estão morrendo sufocadas. Não sentia culpa por estar viva desde a morte da mãe. Não sentia medo de morrer desde a morte da mãe. Mas tem uma coisa que me cansa mais que tudo isso.
Expectativa.
Viver em sociedade é, de alguma forma, atender a expectativa do outro. Que outro? Qualquer um. Até esse que mora na minha cabeça. Quando experimento uma situação de estresse (nem precisa ser absurdo) e preciso conversar com outras pessoas sobre isso, entro num lugar muito remoto da minha mente. Tipo um quarto pequeno em que estou protegida em meio às coisas que gosto. Porque é muito difícil explicar o que sinto pras outras pessoas. O quanto o outro me invade e o quanto preciso estar defendida para me sentir segura. Há três dias que choro todos os dias. Choro novo, choro velho, curto, de medo ou alívio. Choro. Entre as coisas que me deixam mal nesse momento está ouvir o meu nome. É sempre alguém me pedindo algo ou alguma coisa. Acho que estou deprimida de novo, o que não quer dizer muito porque realmente acredito que quem está bem não está bem mesmo.
Semana passada, pela primeira vez, consegui encontrar uma amiga da mãe e contar como foram os últimos dias dela. A mãe não queria ver ninguém quando adoeceu e respeitamos isso. Tomamos uma série de decisões difíceis em nome dela, por ela, com e sem ela. Nossa, eu ando com tanta saudade. Da voz, do cheiro, do cabelo, do telefone tocando, da comida, da risada e do silêncio. Escrever um livro sobre luto e perda e vida e relacionamento foi bom, mas há algo que estou cuidando e elaborando que é o fato de que gostar de escrever e publicar não é necessariamente gostar de falar.
Tem esse filme argentino, Cidadão Ilustre (Netflix), que conta a história de um autor ganhador do Nobel que decide dar uma palestra em sua cidade natal, que quase sempre é espaço de suas histórias. Aí ele fala sobre isso. Sobre escrever e as pessoas saberem (ou acharem que sabem) de você a partir do que foi escrito, de como elas são afetadas pelos livros. Então, eu falei tudo isso e dei essa volta imensa para contar como quem lê o Sabendo que és minha me afeta.
Sou uma pessoa silenciosa. Gosto de rir, de nadar, de falar bobeiras e falar sério. Mas eu sou uma pessoa silenciosa porque, quase sempre, estou falando com as vozes na minha cabeça. São elas que me dão notícias de quem sou e do que está acontecendo. Mas quando publico um texto, seja por onde for, e alguém me responde, é um susto. Não falar sozinha é um susto. Imenso. Quando alguém me fala sobre as coisas que escrevi, seja o livro ou um post, fica na minha cabeça esse choque de ser ouvida, escutada, compreendida, acolhida. Quando respondo a um elogio com "eu não estava preparada para isso" é a sinceridade mais brutal.
Eu não estava preparada. Depois de tantos anos, caldos ou perdas, eu não estava preparada para receber esse afeto, carinho e reconhecimento. Eu não estava preparada e ainda não sei o que fazer com isso. É dolorido ser feliz. É difícil ser livre. Mas é muito mais exaustivo ser outra coisa que não eu. Escrever e publicar é jogar no mundo uma parte de mim que não sou eu. Receber respostas é ser virada do avesso ao receber carinhos e afetos gratuitos e sem possibilidade de devolução. Cada livro que li me deu algo intangível e precioso. O livro que escrevi me deu tantas coisas que não sei nomear. Isso me deixou ainda mais silenciosa e assustada. Não é ruim, não é bom. É novo.
Até a próxima semana.