Com carinho, trecho inédito do meu livro de estreia

Olá, tudo bem? O tudo bem é retórico. Nós sabemos.
Semana passada, recebi 450 exemplares do Sabendo que és minha, meu livro de estreia, aqui na minha casa. O lançamento oficial é amanhã, 20 de outubro. Digo, a Editora Jandaíra envia todos os livros para quem comprou na pré-venda e, no dia seguinte, eu envio para quem esperou pra comprar comigo (<3) e receber autografado. O lançamento mesmo ainda não tem data marcada mas posso dizer que não será presencial pois pandemia. Mas - alerta de spoiler - haverá nova mesa no Festival Leia Mulheres. :D
Vou ser mega honesta: não estou sabendo lidar com todo carinho e afeto que tenho recebido. Anos de terapia ainda. As pessoas que compraram direto comigo foram de uma delicadeza sem tamanho. Juro. Ainda não sei como lidar, pensar ou o que fazer sobre isso. Por isso, estou sentindo. Como forma de agradecimento, deixo aqui um trecho inédito do Sabendo que és minha. PORÉM para honrar o que temos por aqui, vou mandar a primeira versão do trecho selecionado, antes das edições e revisões e leituras críticas.
Espero que gostem e até semana que vem!
"Desde o enterro até esse parágrafo, foram 156 horas de análise; 19 horas com a psiquiatra e seis remédios diferentes. Dois para o pânico e a ansiedade, um para a depressão e outros três para dormir. Já estava em tratamento antes, mas somente depois da Morte da Mãe é que deitei no divã. As pessoas sempre me viram como doente por conta do tamanho do meu corpo, mas elas nunca se preocuparam com minha sanidade. Elas lidavam com isso usando adjetivos como “exótica”. Também recorri a treinamentos de Programação Neurolinguística que me ajudaram a ressignificar processos dolorosos e a me aproximar de pessoas que hoje me são caras, mesmo que eu não saiba demonstrar isso a elas. Comecei a meditar e dei meus primeiros passos no Budismo como a típica budistinha: evitando a dor e recorrendo a frases prontas. Ao invés de meditar, aproveitava o momento para me afundar no escuro e colocar a coluna no lugar. Nesse período, fechar os olhos era uma aventura.
Havia esse lugar dentro de mim, uma zona abissal que sugava meu corpo sem desmembrar, reduzir ou apertar. Era apenas escuro, solitário, quase frio e com vozes distantes. Quando eu era criança sonhava em ser astronauta. Ficar sozinha, de verdade, no espaço. Silêncio absoluto. Então eu ficava ali, na carteira da escola, treinando para esse momento. A professora falava e eu só ouvia uma voz dentro de mim comandando que eu não pensasse em nada. Dois segundos depois, estava decepcionada comigo mesma por falhar.
Fiquei cinco dias em um retiro de silêncio e foi mágico. Por um breve período, apenas existi e a morte da Minha Mãe só durava dentro de mim. Ninguém me perguntava se eu estava bem, não tinha que consolar estranhos que perderam uma amiga ou colega, tampouco dizer a frase “Minha Mãe Morreu”. Mas houve um dia, um único dia, em que dizer essa frase foi libertador. Fui num grupo de apoio para pessoas enlutadas e dizer tudo, absolutamente tudo sobre o luto, sem medo de chorar ou ser julgada foi quase como um exorcismo. Talvez tenha sido.
Há dias em que abrir os olhos e ficar de pé parece impossível. Escovar os dentes, tomar um banho, pentear os cabelos, colocar uma roupa limpa, lavar a louça, tomar um café quente, abrir janelas e portas e respirar exigem algo que foi enterrado com a mãe e não sei nomear. Falar isso, em voz alta, chorando. As pessoas que me olhavam e ouviam tinham enterrado mães, pais, filhas, filhos, maridos, netos, irmãos. Nenhum deles tinha de fato celebrado o Natal e o Ano Novo seria só uma janta. Nem mesmo um jantar. Ninguém esperou que eu me matasse quando disse que queria morrer, ninguém me olhou com nojo quando eu disse que logo depois da morte da mãe passei três dias sem tomar banho, ninguém sentiu pena de mim quando não conseguia falar porque chorava demais e ninguém, absolutamente ninguém, me julgou quando eu disse que odiava a mãe porque ela abraçou a doença como um suicídio e, mais importante que tudo, ninguém me aconselhou. As cabeças apenas sinalizavam que sim, validando cada sentimento desse umbigo sem fundo que é o luto.
Também assisti (e revi) muitos filmes de terror. Eles me ajudam a lidar com minha ansiedade e com sentimentos que ainda nem sei nomear. Vivi intensivamente minhas obsessões e compulsões: plantas, minimalismo ou crochê. Pode parecer que estou perdida ou confusa, mas a verdade é que me sinto traída. Mentira. Também me sinto confusa e perdida. Não deveria estar. Não deveria? Não sei. A morte da Minha Mãe me ensinou sobre sentimentos que eram banais pra mim. A primeira (e única) vez que viajei pra fora do Brasil, minha filha tinha quatro anos. Foram 15 dias longe dela e, ao final, eu podia sentir a textura da pele dela ou o seu cheirinho quando eu fechava os olhos. Chamei isso de saudades. Mas a primeira vez que senti saudades de verdade da mãe, chorei tão alto quanto pude, minha cabeça doía demais e eu só queria que aquilo parasse. Dormi no sofá e acordei chorando. Meus três grandes medos irracionais são ser possuída pelo demônio, ser atropelada por um trem que descarrilhou e ser abduzida por alienígenas. Tinha outros menores como ser assassinada ou entrar em combustão espontânea. Fui criança nos anos de 1980."
Trecho do livro Sabendo que és minha de Fabrina Martinez, publicado na primeira de 2020 pela Editora Jandaíra e com apoio do PROAC.
Ah, escrevo e mando. Sem revisão. Respeito os erros e os atos falhos para que essa conversa seja o mais natural possível. Se é que isso é possível. Por onde estou:
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