Descontrole, medo e a vida adulta

Caso você esteja fisicamente e emocionalmente bem, há algo errado contigo. Não é drama ou tristeza ou falta de esperança. É realidade. Estamos todos cansados de um jeito, de outro ou dos dois (o que é mais plausível). Então, resolvi nessa primeira newsletter de 2021 falando sobre o medo que me envolve toda vez que preciso tomar decisões, importantes ou não, sobre a vida adulta. Na semana passada, falei sobre a tentação de comprar um apartamento e como havia dito não a isso, mesmo sabendo que é isso que esperam de um adulto. No caso de uma mulher adulta. De um homem adulto, esperam que ele lave o p*nt* e seja uma pessoa minimamente funcional. É verdade esse bilhete.
Sinto que, enquanto adulta, perdi alguma coisa que me fazia transitar pela vida com mais leveza. Não estou falando da frustração cotidiana de "ai, não posso ter uma lhama" mas de coisas como "e se eu escolher isso e isso ferrar com a vida da minha filha?". Tenho feito o melhor que posso com o que tenho nas minhas mãos e isso, de fato, me deixou fisicamente e emocionalmente cansada.
Trabalho enlouquecidamente e gosto. Gosto muito de trabalhar nas várias frentes que estou e, talvez por isso, seja tão difícil escolher. Não é a escolha que me angustia. Dia desses, uma amiga minha mandou uma mensagem que achei apropriada e ainda estou digerindo. "Calma, você ainda tem muitos cabelos pretos".

Parasita (2019) sendo genial
É. Por mais que eu ame (e amo) meus cabelos brancos, os pretos ainda existem e tenho conversado muito com essa coisa intangível presente na vida de qualquer mulher: a idade. Estou cercada de mulheres F.O.D.A.S preocupadas com a idade e elas estão erradas? Não. De forma alguma. O mundo é cruel demais conosco e não pensa duas vezes em nos colocar uma data de validade. Tem esse vídeo de 2015 da Julia Louis-Dreyfus em que ela comemora seus últimos dias como fuckable. Ao lado de Tina Fey e Patricia Arquette ela explica para a ainda fuckable Amy Schumer que aos 40 anos a mulher não é. Simplesmente não é. Não é sobre ser velha, é sobre ser invisível. Lidar com isso é recorrer à grande verdade de Kelly Key: mais uma noite chega e com ela a depressão.
Referências vintages para manter a coerência.
Voltando à semana passada, quando pensei em comprar um apartamento sem lenço, sem documento e sem financiamento acho que estava reagindo ao medo da mulher que não é. Eu sou. Assim como todas nós, mulheres, somos. Mas o envelhecimento da mulher é cruel porque ele começa muito, mas muito cedo. Muito antes do primeiro fio de cabelo branco. Não é que mulheres amadurecem cedo, é que a realidade dura se impõe e nos é imposta muito cedo. Aos 42, me sinto completamente depredada pela realidade. Sigo consciente dos meus privilégios e sei que pensar no futuro é essencial para se ter um futuro, mas o que é futuro quando se é mulher.
Nas últimas semanas, o não ter foi um peso imenso nos meus dias. Ao olhar pros meus cabelos brancos, pra parte vazia da minha cama, pro boleto do aluguel, pra garagem sem carro ou pra tantas outras coisas que nunca desejei (honestamente), senti que estava entrando na reta final da vida. Dramático? Talvez. A verdade é que estou com medo, gente. Medo das coisas que fiz em 2020 como escrever e publicar um livro, fechar as portas para quem gostava mais das expectativas que tinha sobre mim que de mim, de assumir riscos e compromissos maiores no trabalho, de dizer coisas e ouvir coisas (nem sempre legais, é claro). Talvez haja uma pontada de esperança aqui ou seja uma tentativa de encher o medo de cobertura de chocolate, mas a verdade é que agora, nesse momento, enquanto digito isso aqui, estou pensando no que tem de legal e prático no meu dia, na minha vida.

A memória coletiva da mulher que não vive pra outro, seja marido ou filhos, é árida. O mesmo se aplica para aquela que trabalha muito (casou com o trabalho) ou que não tem casa ou carro (não fez nada para si). Sabe, eu sei aonde e como desejo envelhecer. É algo que estou construindo e quero viver, de verdade. Plenamente. Fiz escolhas. Muitas escolhas. Mas, nesse momento, todas elas estão sob o manto do não ser mais fuckable. Estou muito me sentindo o Supla usando essa palavra em inglês, mas a verdade é que não sei como traduzi-la. Será se estou sendo coerente ou apenas construindo uma escada pra queda ladeira abaixo ser mais dolorida? Gente, eu não sei. De verdade.
O que tenho feito e tem me ajudado é viver um dia por vez. Esse sentimento de resolver tudo agora do melhor jeito e ser genial piorou bastante em 2020, com o distanciamento e isolamento. Não é sobre saúde mental na pandemia. É sobre o acúmulo de dois eventos mundiais: o descarte da mulher e a pandemia. Não à toa, as pessoas mais afetadas por ela foram as mulheres. Quando olhamos pra essa realidade considerando o recorte social e raça, é tudo muito pior e cruel. O medo do envelhecimento é muito similar ao medo de engordar. Mulheres não fazem dieta para serem magras, elas fazem dietas para não serem tratadas como elas tratam as mulheres gordas. Envelhecer só é legal quando se está dentro de um padrão. É um fantasma que chega cedo não importa quantos cabelos pretos você tem.
Por fim, gostaria de dizer que apesar disso, recentemente eu gargalhei. Muito. Com gosto. Há tempos que não ria sem medo ou vergonha da altura da minha risada, do momento e do jeito. Foi bem massa. Espero que se repita mais vezes. Até semana que vem.
Escrevo e mando. Sem revisão. Respeito os erros e os atos falhos para que essa conversa seja o mais natural possível. Se é que isso é possível. Por onde estou:
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