Estou vacinada :)
Oi gente.
Fui vacinada.
Talvez essa cartinha pudesse acabar aqui tal qual aqueles filmes dos anos 80 que, logo depois do beijo, sobem os créditos e não contam a realidade. Sábado passado fui vacinada. Estava sabendo dessa possibilidade desde a quinta anterior e quando se confirmou, chorei. Chorei de soluçar porque eu estava com muito medo de morrer agora, desse jeito, sem ar. Assassinada num genocídio. No dia da vacina, coloquei meu melhor (e único) vestido vermelho (sinais) e meti um L na hora da foto. A vacinação foi no ginásio da universidade onde assisti o show do Zé Ramalho; o acústico dos Titãs e vi o crush mais crush da minha vida jogar vôlei ao lado da namorada nos jogos universitários. Foi há muito tempo, antes dos anos 2000. Fui muito feliz naquele ginásio. Sonhei muito ali. Ele parecia enorme na época mas ali, enquanto passava pelo portão vi o quão pequeno ele realmente é. Apesar disso, cada passo tinha um maratona entre o próximo. Até que fui vacinada. Fiz selfie com a médica.
Vou repetir.
Fiz selfie com a médica e tirei umas oito ou nove fotos. *I want to believe*. Ainda não entendi que estou vacinada porque, de forma criminosa, isso se tornou um privilégio. Tem coisas que, quando são muito boas ou muito ruins, nos deixam sem fala. Fiquei pensando no que faria quando estivesse finalmente vacinada. Nunca cheguei a nenhuma conclusão mas a primeira coisa que fiz foi tomar caldo de cana com abacaxi. O Brasil inteiro marchava contra as mortes e eu parei pra tomar um caldo de cana com abacaxi. Em seguida, dormi. Estou tendo reações físicas da vacina. Dor de cabeça, no corpo, calafrios, cansaço e febre. Segundo dia que estou assim e estou fazendo repouso. Ainda não tomei banho. Mas pedi um horário com minha terapeuta hoje porque tem coisas boas que acontecem conosco enquanto coisas ruins acontecem com as nossas pessoas. Simultaneamente.
Aí foi me batendo uma saudade do bairro. Não da Lila ou Lenu, do bairro mesmo. Fiquei muito grata com a Fabrina do passado que economizou a série pra que a Fabrina de sábado, ontem e hoje pudesse receber esse afeto. Tem aquela cena em que a Lila está brigando para estudar e o pai a joga pela janela de casa. A gente sempre pensa no quanto ele foi violento ali. Sabe o que eu acho violento mesmo? Quando Lila não para pra sentir a dor do braço quebrado porque sobreviver exige que você esteja de pé, atenta e reagente. Aí a gente vê aquela menina que acabou de ser jogada da janela pelo próprio pai levantar e sair correndo enquanto diz ou grita para si e para os outros que está bem.
Nós vamos precisar de muito tempo para entender o que foi isso que vivemos e chamamos de pandemia e genocídio. O que me preocupa, de verdade, é saber se teremos tempo ou se nos deixarão sentir. Todos os dias nos jogam das janelas e nós levantamos correndo dizendo que está tudo bem. Vinte e um anos separam a pessoa que entrou naquele ginásio para sonhar com a crush da pessoa que entrou desesperada para sobreviver. Sobreviver. Comigo.
O que talvez ligue aquele momento a esse são as possibilidades. O que a gente faz quando pode fazer muitas coisas? Aí minha amiga me perguntou aonde eu ficaria feliz agora e eu disse: numa biblioteca. É. Eu me sinto protegida e viva ao lado de livros e estantes e possibilidades de caminhos e descobertas e papel. Meus livros estão todos no chão por vários motivos e, eventualmente, abro a porta e olho para eles na expectativa de resolver alguma coisa. Entre as coisas pensei em me mudar pra SP ou numa chácara aqui perto ou esquecer tudo e só ir. Ou ficar. Não quero ficar apenas.
Fiz o possível e comecei a ler Devoção da Patti Smith, traduzido por Caetano Galindo. Também pedi por sessões de terapia que estou me controlando pra não desmarcar. É tão bonito como a Patti Smith fala sobre escrever. Por que escrevemos? Porque não podemos somente viver. Tem coisas, lembranças e sentimentos que não cabem na vida. A gente consegue entender a poesia de uma boxeadora que aprende a apanhar, a acompanhar o soco com a cabeça ao invés de criar resistência e a cair. Mas isso não cabe na vida. Era essa a saudade que eu estava do bairro: de estar acompanhada de quem sabe apanhar, levantar e sobreviver. Quando se cresce desse jeito qualquer aceno da felicidade é um sinal de perigo.
Escrevo e mando. Sem revisão. Respeito os erros e os atos falhos para que essa conversa seja o mais natural possível. Se é que isso é possível. Por onde estou:
Livro: Para comprar o Sabendo que és minha, você pode mandar e-mail para oi@fabrinamartinez.com
Site: www. fabrinamartinez.com
Twitter: @fabrina (sempre uma reclamação nova)
Instagram: @fabrina.martinez (fotos e stories e histórias do <3)
Facebook: @afabrina (coisas de literatura e afins)