Minha casa e meu luto (outro)

Oi, gente
Medo de continuar essa cartinha pois sempre tem a frase "ontem eu chorei". Pois é. Anteontem chorei porque, olha só, descobri (ou assumi) que estou vivendo o ninho vazio. Eu ODEIO essa expressão, mas o sentido é esse. Fifis tem 13 anos e foi morar com o pai. Do nada, a casa ficou enorme, mesmo sendo pequena. Não é ausência de uma pessoa qualquer, é a ausência de Fifis. Que silenciosamente preenchia todos os espaços com silêncios, risadas e camisetas amassadas. Não ter a carga mental torna tudo mais leve e não dá pra fingir que isso não acontece. Inclusive, vamos fazer uma breve pausa aqui.
Educar, cuidar e administrar a vida de outra pessoa é uma carga mental enorme. Desde que o exame deu positivo, tenho essa quantidade de listas habitando minha cabeça com coisas que TENHO QUE fazer. Quando fazia mestrado, cada ida a um congresso (obrigatórias) era uma lista sem fim de coisas a fazer. A mãe me ajudava demais nisso. Morava em outro estado e, dependendo do lugar do congresso, eu levava a Fifis pra casa dela ou a mãe ia pra minha casa. Quando existe essa rede de apoio, a presença da carga mental é muito mais leve. Mas tem a saudades.
Aí ela se manifesta de várias formas. Não sei exatamente como faço isso mas, dessa vez, tenho voltado minha atenção para a casa. Foram anos muito difíceis, sabe? Mudanças, perdas e ganhos. Quando a pandemia chegou, eu já estava tão isolada de tudo e todos que mal senti o impacto dela. Fifis não, Fifis sentiu demais. Ela tinha uma vidinha independente que foi apagada. "Ela não foi a única", foda-se que estou falando dela. Aí a Fifis foi e nas primeiras semanas, eu só dormia. Depois de meses e meses de pandemia na condição de mão solo de adolescente, havia um cansaço emocional. Em mim e nela. Tanto que as primeiras ligações eram sempre pontuadas pela frase "ainda está cedo para sentirmos saudades".
Ontem sentimos e falamos brevemente nisso. Nos faltou coragem. Foi um "que vontade de abraçar vocês três" e outro "saudade do seu cheirinho". Nos despedimos logo porque é muito novo. Esse tempo que estamos fisicamente afastadas é o maior tempo que já passamos até então e temos um certo conforto em estarmos juntas. A maior loucura que fiz na vida foi olhar pra Fifis como uma pessoa e não apenas como minha filha. É um movimento muito difícil e solitário porque vai contra o que nos é ensinado desde sempre. Eu só esqueci de me olhar como outra coisa que não mãe.
É.
Eu não sei o que fazer com o tempo que sobra.
Tenho muitas, muitas coisas pra fazer. Até demais. Mas tinha esse tempo da Fifis, do afeto. É esse que tenho direcionado pra casa como uma forma de melhorar o acolhimento que me ofereço. Além disso, todo esse tempo me deixa disponível para questionar o que faço/fiz na vida. Nenhum texto mais presta; minhas escolhas profissionais; o que coloquei ou tirei de casa e fatos corriqueiros como estar financeiramente fudida (em especial esse mês) ganharam uma proporção existencial muito dolorida e profunda. Como se fosse um fracasso, sabe? Eu sei que não é. SEI MESMO. Racionalmente eu sei. Mas tem esse apertinho de dentro pra fora que tem nome, idade, costume, cheiro, voz e risada. Aí eu entendi.
Estou de luto. OUTRO.
No meio de uma pandemia, encaro o ninho vazio. Garanto que se a casa não fosse alugada, já teria derrubado uma parede. Mas estou pensando seriamente descascar uma e deixar no concreto pq infiltração e não quero lutar. Talvez eu me sinta melhor se eu destruir algo? Com certeza. Mas até pra destruir ando meio assim. Fiz uma consulta com minha psiquiatra e falamos da fibromialgia. Ter dor crônica é isso. Fazer parar fazer parar e pensar 45 vezes antes de começar. Mas aí tem essa dor crônica física e tem a dor crônica emocional. Estou lutando pra separar as coisas e evitando minha analista, mesmo sabendo que de um jeito ou de outro, ela está aqui. Inclusive, ela fala uma coisa muito importante que me mantém conectada com a realidade: a gente precisa confiar no jeito que a gente existe dentro das pessoas.
Eu confio na forma como existo dentro da Fifis. Minha analista confia na forma como ela existe dentro de mim. Essas consciências me dão tranquilidade pra pensar que não quero falar disso agora, nem num nível e nem em outro. Mas escrever? Escrever é diferente. Recordar, repetir e elaborar. Recordar, repetir e elaborar. Recordar, repetir e elaborar. Preciso de muito tempo para elaborar. Sozinha. Não sozinha, sozinha, sozinha porque tem essas presenças, mas sozinha. Enquanto passo café e penso que vou pintar o armário da cozinha de azul porque eu preciso de cor no presente. Preciso?
Presente que não anda, que não passa. Aí eu tenho mordido muito os dentes. Muito mesmo e estou evitando ir no dentista pois pandemia. Não suporto mais a máscara que me obriga a rerespirar o ar quente. Esse é o abismo que me angustia. O meu ar quente. Sai do nariz, se espalha na pele coberta pela máscara e quando consegue fugir, embaça meu óculos. Ou volta narina adento. Queria uma metáfora ou analogia para esse ar que sai e volta de outro jeito. Não tenho.
SABENDO QUE ÉS MINHA NO LEIA MULHERES MARÍLIA
Então, em 20 de fevereiro (sábado), às 15h, leremos o Sabendo que és minha no Leia Mulheres de Marília. Não sei se santo de casa faz milagre, mas é sensacional começar essa jornada no clube que acolheu como leitora, me recebeu como mediadora e, agora, me reconhece como escritora. O link da sala está no Instagram do clube ou aqui meet.google.com/ygo-htqk-egb e é claro que estarei lá. Vai ser um prazer falar contigo!

Escrevo e mando. Sem revisão. Respeito os erros e os atos falhos para que essa conversa seja o mais natural possível. Se é que isso é possível. Por onde estou:
Livro: Para comprar o Sabendo que és minha, você pode mandar e-mail para oi@fabrinamartinez.com

Site: www. fabrinamartinez.com
Twitter: @fabrina (sempre uma reclamação nova)
Instagram: @fabrina.martinez (fotos e stories e histórias do <3)
Facebook: @afabrina (coisas de literatura e afins)