O pânico de ser piada, sabe?

Oi, gente!
Final de semana trabalhei para entregar umas coisas urgentes e fechar dois projetos grandes. Aí quando o Lucas saiu do BBB21, levantei e voltei para cumprir prazos e entender esse mal estar. Calma, não vou falar do BBB ou do Lucas. Quero falar do Gil. Acho que todo mundo viu o beijo dos dois, né? Beijo lindo, com desejo, tesão, vontade. Olho fechado e boca aberta. Mão na nuca e na bunda. Beijo. Sorriso aberto no final, olhando no olho e a mão dada. Teve uma hora que me peguei olhando pra uma foto do beijo no celular e pensando se o que estava sentindo era vontade de ser beijada daquele jeito. Também.

Beijo é isso aqui
Pensei o dia todo e ainda penso no Gil e em todos os amigos que se revoltaram porque Lucas o usou. Rapaz, as pessoas não pensaram duas vezes em chegar nele e dizer que estavam ao lado dele. Até a Sarah, que ali naquele tempo e espaço, é a melhor amiga dele o "defendeu". Gil não é visto como desejável na mesma medida em que Lucas não é visto como alguém que deseja. Aí, minha irmã, PEGUE A VISÃO: passei o resto do dia um lixo. Até então quando diziam que esse programa estava cheio de gatilhos pensei: magina.
Esse foi o meu. Ainda hoje carrego comigo que toda mulher gorda é desejável desde que não seja eu. Mal consigo demonstrar desejo e afeto pelo pânico de ser piada. Isso está entranhado. Claro que minha experiência é bem diferente da de Gil, Lucas e tantas outras pessoas. Mas há esse ponto de encontro de não ser vista como desejável por pessoas que acham isso tão normal a ponto de "me dar uns toques" sobre as pessoas que me beijaram ou beijei.
O pânico de ser piada, sabe?
É quase como uma pessoa que mora dentro de mim. Paralisa a ponto de me fazer chorar enquanto trabalho no Power Point pensando que não, desejo não é pra/por mim. Os bilhetes, os dedos apontados, as risadas baixas e altas, os apelidos. A forma como a palavra gorda existiu na minha vida até pouco tempo. Todos os abandonos, as traições, as mentiras, os descasos. O pânico de ser piada possui. Sabe, eu gostaria que todo mundo que eu conheço ou me conhece lesse isso. Eu noto a pressa das pessoas em ouvir e tudo bem. Só que quando escrevo, penso nessa conversa que quero ter. Falar das coisas boas mas também dos pensamentos intrusivos e dos momentos ridículos.
Uma vez estava andando na rua com minha filha, quando ela rasgou o silêncio me explicando o que era um pensamento intrusivo. Eu nunca tinha pensando no nome disso e que isso era real e ali, na calçada, esse pedaço de mim que não sou eu me ensinou algo muito importante sobre mim e sobre ela e sobre todos nós. Escrever é dividir essas cenas que acontecem em mim. Todo mundo imagina e deseja e fala mas é rara a capacidade de suspender a realidade diante do sonho do outro.
Aí fui aprendendo a sentir, desejar e sonhar da testa pra dentro. O que deixo sair é a racionalidade, idioma mais comum. Minha amiga diz que é o Saturno sobre meu ascendente em virgem. Eu sei que é a memória. Eu lembro, gente. Lembro do dia em que um menino na escola de freiras me desenhou pra dizer que eu era ainda maior de bolsa, de quando 'minhas amigas' falavam do tamanho da minha barriga, lembro do olhar do meu pai, dos 'toques' da minha mãe, de como a vida era menos dolorosa quando, apesar de tudo, eu me submetia a dietas pra cumprir o compromisso de estar magra. Lembro da sensação no meu corpo quando essas palavras saem da boca de quem fala e se ajeitam na minha frente como uma escada íngreme, sem corrimão ou fim que preciso passar.
O problema não é apenas saber o que foi feito, mas lembrar com o corpo, com a pele. Aí que uma coisa quebra, né? A rachadura invade outros assuntos ou experiências e para me proteger fui ficando menor menor menor até querer e precisar desaparecer e não poder. Enquanto escrevia isso, rangia os dentes e lembrei daquela guria que quebrou o aparelho ortodôntico quando o Michael B. Jordan apareceu sem camisa em Pantera Negra. Ele ainda se ofereceu pra pagar. Quem vai questionar a guria? Jamais.
Esse lugar do desejo e do afeto é demarcado socialmente. Pessoas fora do padrão só podem receber amor por pena; aposta ou fetiche. Ou, de maneira mais simples, todo mundo ama mulher gorda na internet mas se debate diante do braço um pouco mais roliço ou da calça 48. Aí que ver o beijo deles e tudo que aconteceu depois me colocou nesse lugar de que serei eu, minhas cachorras e minhas plantas. É um problema? Quando isso quase dói a ponto de pinçar, penso na Hilda Hilst e percebo que entendimento é raro.
SABENDO QUE ÉS MINHA NO LEIA MULHERES MARÍLIA
Então, em 20 de fevereiro (sábado),às 15h, leremos o Sabendo que és minha no Leia Mulheres de Marília. Não sei se santo de casa faz milagre, mas é sensacional começar essa jornada no clube que acolheu como leitora, me recebeu como mediadora e, agora, me reconhece como escritora. O link da sala está no Instagram do clube e é claro que estarei lá. Vai ser um prazer falar contigo!

Escrevo e mando. Sem revisão. Respeito os erros e os atos falhos para que essa conversa seja o mais natural possível. Se é que isso é possível. Por onde estou:
Livro: Para comprar o Sabendo que és minha, você pode mandar e-mail para oi@fabrinamartinez.com

Site: www. fabrinamartinez.com
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