Oi sumida, tudo bem?
Ontem foi dia das mães e se eu respeitasse tudo o que aprendi em anos de trabalho com comunicação e as pessoas que me amam, teria mandado essa newsletter dizendo "aproveito para dizer que passei os últimos anos em silêncio porque estava tratando da morte - concreta e não simbólica - da minha mãe na terapia e agora estou escrevendo um livro sobre luto e maternidade". mas seria mentira, sabe. Não do que se tornou minha terapia, mas do Dia das Mães. Em quase 60 dias fiz análise presencial por uma única vez. Pandemia, sabe. Falamos por vídeo e que falta faz deitar no divã. Levei anos pra deitar e agora ele me foi tirado.
Onde entra minha mãe? Bem, só consegui deitar no divã depois que ela morreu. Diz muito né? Eu acho que sim, mas nunca sei quanto isso diz e o que exatamente.
O que tinha de mais honesto nesse período era o silêncio. Talvez fosse preguiça ou necessidade da zona de conforto, mas garanto que havia exaustão. Muita coisa mudou no processo de análise. O divã ainda é tão branco quanto a orquídea e os livros continuam na sala de espera. Mas eu não sou a mesma e isso muda tudo.
Muda muito. Tem essa foto minha de criança que gosto muito. Talvez esteja entre as coisas da mãe que ficaram na casa do meu irmão. Na foto tem essa pessoa que eu era aos três ou quatro anos, descalça, calcinha azul, franjinha, assustada e escondida atrás de uma bananeira na casa da avó. Sou do Mato Grosso do Sul, então quintal é rotina. Essa menina, que era eu, vivia assustada. Meu teclado está com problema na letra A e isso meio que é chato. Mas, voltando, eu tinha muito medo de aparecer nas fotos. Depois, tinha medo de aparecer na fala e então nos textos. Mas aqui estou. Escrevendo de novo e de novo. Essa cartinha volta a ser semanal. Toda segunda.

Também gosto dessa foto.
Teve uma época que queria convencer um pessoal a fazer um zine chamado Notícia de Segunda. Aquelas informações que a gente derruba no jornal pra caber aquelas coisas ruins que todo mundo quer ler. Essa coisa de escrever na segunda traz essa sensação de organização e utilidade. O mundo mudou, mas ainda quero me sentir como útil como em setembro de 2019. Antes da pandemia. Quando distanciamento não era isolamento. Quando dizer que planejar é arrogância era apenas ironia. A gente ainda tem espaço pra sarcasmo e ironia? Não sei. De verdade. E fico pensando muito no que mudou pra todo mundo nesse período. Tenho algumas coisas pra dividir mas não sei por onde começar. Estou escrevendo um livro que será publicado esse ano; parei de pintar o cabelo e assumi os cabelos brancos; ainda gosto de ouvir Emicida e estou obcecada pelo trabalho novo da Fiona Apple, aprendi a cozinhar arroz, tem uns 10 dias que estou ensaiando pra usar lota, sou mediadora do Leia Mulheres Marília e ainda tenho crises de ansiedade quando lembro que estamos à deriva nessa pandemia. Mas tem uma outra coisa que preciso dizer. Senti muita falta disso aqui. Tem algo sobre escrever que é acolhedor. Sinto um abraço a cada ponto final e ainda que não saiba receber afeto e respostas, saber que as palavras foram enviadas traz algum conforto. Obrigada por me permitir enviar isso aqui. Até segunda.
Meu nome é Fabrina Martinez e sou jornalista, poeta e escritora. Estou em isolamento social com minha filha pré-adolescente e minha cã idosa. Atualmente estou lendo Eu sozinha da Marina Colasanti (Editora Global) e Fique Comigo da Adebayo Ayobmi para o encontro do Leia no próximo sábado (16). Escrevi ao som da live de mais de oito horas do Emicida. Toda cartinha é enviada sem revisão para preservar possíveis atos falhos.
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