Troop Zero; After Life, Elena Ferrante e três dias de choro

Oi, então.
Acho estranho te perguntar se tudo bem, porque né? Brasil. Era pra ter mandando a cartinha ontem e queria deixar pra amanhã por motivos de lágrimas. Há três dias tenho chorado. Muito. Sinto-me aliviada. Vamos falar de análise tal qual fazíamos no princípio desse espaço. Há uma pandemia. Logo, minhas sessões tem sido remotas. É a mesma coisa? Não. Mas estou há anos com a mesma pessoa-analista e isso facilita muito. Hoje nós teríamos uma sessão, mas foi desmarcada. Então, vim aqui conversar contigo. Obrigada.
Tem um tempo que eu precisava chorar. Chorar de verdade, com força, soluço e óculos manchados. Mas não conseguia e isso estava me angustiando. Tinha uma lágrima aqui e outra acolá, nada que realmente me aliviasse. Até que aconteceu.

Domingo que pode ser qualquer dia mas ainda era domingo, resolvi assistir um filme. Coloquei Troop Zero ou Tropa Zero (2019) e olha só, todo mundo tem que assistir. É sobre ser criança, estranha, deslocada e solitária. O filme é produzido pela Viola Davis (Amém), dirigido por Bert da Bert & Bertie. Tem no Amazon Prime. Acontece que o filme se passa numa área rural e entre as personagens tem crianças orfãs, negras, gordas, gays, pobres e desacreditadas por todas as pessoas independente da idade que formam uma tropa de escoteiras para concorrer numa competição que dá como prêmio a chance de gravar sua voz no disco de ouro que será mandado pro espaço pra apresentar a Terra aos alienígenas. Cenas lindas, doloridas, verossímeis e emocionantes. Trilha sonora com músicas de David Bowie. Foi quase como se eu tivesse feito as pazes com a criança que fui. Aquela que sonhava ser astronauta ou astrônoma e deixou isso de lado por acreditar que ser menina era um erro. Ao fim do filme, Soluçava loucamente e sentia-me um pouco mais leve. Um pouco.

Segunda foi feriado aqui e eu desconhecia esse detalhe. Acordei cedo e assustada com medo de perder a hora dos trabalhos, mandei e-mails e mensagens, apressei minha filha pra aula à distância e quando eu descobri que era feriado, agarrei meu rancor e fui terminar After Life, a série sobre luto escrita e dirigida por Ricky Gervais. A série de 2019 acompanhou meu luto e me ajudou a rir e quase chorar (na primeira temporada) do que é perder alguém. Bem, os novos episódios já disponíveis na Netflix são matadores. Em especial, o quinto episódio. Passei todos os episódios rindo e com os olhos lacrimejando com Tony, que viu a esposa morrer em função de câncer. Quando ele finalmente desabou, fui junto. Chorei por coisas que sentia e não sabia como sentir. Não me lembro do dia das mães dessa ano. Trabalhei em campanhas dele e não me lembro. Dia das mães sempre foi receber a ligação da Minha Mãe para dizer "quem diria, hein? você é mãe" e eu responder com "pois é". Chorei e me senti acolhida por piadas sobre morte, luto e a pós vida mas, sobretudo, me senti acolhida quando ele fala que depois que perdemos alguém, o que éramos não existe mais. E o que somos quando não estamos tristes e putos é uma encenação daquilo que a gente se lembra de ser. Fez sentido? Desculpe aí, mas recomendo demais.

Hoje, por fim, terminei o segundo volume da Tetralogia da Elena Ferrante. Comecei História do novo sobrenome tem um tempo, parei, retomei desde o começo e terminei hoje. Até determinado ponto, eu odiei todo mundo. Todos, sem excessão. Até as crianças. Só não odiei o mar. Inclusive queria muito levantar agora e ir pra Ischia. Mas não vai rolar. Apesar dos sentimentos, notei que comecei a economizar no livro. Foi quando uma frase me fez chorar a ponto de parar de leitura e ter que tomar água. "Você escreveu um romance, assuma a responsabilidade." Senti como um recado e, é claro, comecei a chorar. A verdade é que entendo muito Lenu, Lila e Nunzia. E, assim como a mãe de Lenu, tenho andado de maneira claudicante pela literatura por medo de assumir responsabilidades.

Sei que tinha prometido falar de Suspiria, mas precisava falar disso. Pra organizar e entender que todos aqueles choros são na verdade um só. Um choro de medo de quem está próxima de ser quem é e não sabe como fazer isso sem magoar o bairro, sem exteriorizar cinismo e tristeza ou acreditar em outras vidas. Foram lágrimas desejadas e que me deixaram um pouco melhor comigo. Também precisava organizar tudo pra sessão de amanhã. Logo mais começo o terceiro volume da tetralogia mas também estou relendo Um útero é do tamanho de um punho pro Leia Mulheres Marília. Acho que é isso. Depois desses dias todos, estou cansada. Fisicamente e emocionalmente cansada. Resolvi não fazer o jantar e pedi uma pizza. Napolitana.
bjs, até mais.
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Por fim, tenho como política não revisar o texto depois de escrito para preservar qualquer ato falho, erro ou acerto inesperado de comunicação.