Vacina e rio de whisky
oi gente,
vamos a mais um episódio da vida mentirosa de quem acompanha um evento histórico sem qualquer tipo de provocação como "tudo bem?" e só "que bom que você está bem dentro do que é possível".
depois de muitos dias, tomei café da manhã (cinco mini pães de queijo e café com leite adoçado com um mel comprado de uma senhora durante um evento de crimes, destruição e gargalhadas de desespero em Varpa). Normalmente tomo os primeiros goles de café sentada na beira da cama pensando pra quê acordar mas hoje tinha com burburinhos e risadinhas e latidos das cãs querendo fazer parte daquilo que eu ainda não sabia o que era.
Sou vizinha de um posto de saúde. Vizinha, vizinha não, mas vizinha sabe? Tem o quintal do posto; a casa do vizinho e a minha. Aí tinha essa fila enorme com pessoas de máscara rindo e conversando antes das 8h enquanto esperavam a primeira dose da vacina contra Covid. Toda aquela falação coberta de alegria e esperança. A cada gole do café (que quase ficou gostoso) eu imaginava todas aquelas pessoas sendo vacinadas e imunizadas. Ouvi relatos de pessoas próximas e queridas contando sobre como suas pessoas foram vacinadas e o alívio. Algumas das minhas pessoas foram imunizadas mas, a verdade, é que sempre penso como seria se a mãe estivesse viva. O grito de Brasiiiiiillll, o choro, a dancinha. De alguma forma até as cãs, Betânia e Beroka, aproveitaram o momento. Deitaram ao lado do portão e acompanharam todo farfalhar da fila até que o silêncio voltou e elas me exigiram petiscos. Agora dormem enquanto digito isso aqui, motivada pela esperança que todas essas pessoas me deram.
Já tem um tempo que estou na frente da tela e logo menos a cabeça volta a doer. Mas a rádio vizinhança já me contou que são 200 senhas por dia para a vacinação. amanhã tem outra fila dessa, com outras pessoas, outros indivíduos que são o amor da vida de alguém. Talvez eu vá lavar a louça e arrumar a cama e estender a roupa para, de tarde, reassumir meu posto na frente do computador. Talvez eu só me deite na cama e deixe o tempo passar e chore baixinho pra eu não saber. Sinto sono e cansaço e exaustão.
Meus livros estão todos no chão do quarto ao lado porque me comprometi a construir uma estante de cremalheira aqui no quarto-escritório. Tem umas duas semanas que estou tirando a ferrugem do pé da mesa e ainda não achei lugar pra jibóia que está amarelando infeliz no banheiro. Dia desses sonhei de novo. Sonhar de olho aberto e desejar. Ultimamente só tenho dormido mal e acordado com muita dor de cabeça. Mas esses dias, sonhei. Por isso, "do lugar onde estou já fui embora".
A frase é do Manoel de Barros e da minha nova caneca favorita. Manoel de Barros tem gosto de casa, da avenida Afonso Pena depois do trabalho, quando ia jogar xadrez e ouvir música no café quase em frente à praça decadente. Tem aquela saudade do chão coberto de flor de ipê e do blues que vinha ali daquele bar, no rio de whisky. Nunca mais vou voltar praquilo que alguns chamam de lar.
Eu também não estou lá.
Escrevo e mando. Sem revisão. Respeito os erros e os atos falhos para que essa conversa seja o mais natural possível. Se é que isso é possível. Por onde estou:
Livro: Para comprar o Sabendo que és minha, você pode mandar e-mail para oi@fabrinamartinez.com
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